Quando o Abandono Corta o Laço Familiar

Pais que abandonam os filhos na infância não são indignos da proteção dos filhos na velhice.

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7/4/20253 min read

Embora o dever de prestar alimentos e de exercer a curatela seja, a princípio, recíproco entre pais e filhos, a jurisprudência tem consolidado a tese de que o pai que abandona o filho, seja material ou afetivamente, não pode exigir dele amparo na velhice.

Essa interpretação se baseia na quebra do princípio da solidariedade familiar e na ausência de reciprocidade, pilares que sustentam a obrigação alimentar e o dever de cuidado.

1. Fundamentação Legal

  • Código Civil (Lei nº 10.406/2002):

    • Art. 1.694: Estabelece que parentes, cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social.

    • Art. 1.696: Dispõe que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes.

    • Art. 1.745: Determina que, na falta de tutor nomeado pelos pais, incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, seguindo a ordem do art. 1.696. A mesma lógica se aplica à curatela.

    • Art. 1.814: Trata da exclusão da sucessão por indignidade, que, embora não se aplique diretamente ao caso de alimentos, serve como um norte para a interpretação da conduta do genitor.

  • Constituição Federal:

    • Art. 229: "Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."

2. Jurisprudência Aplicável

Os tribunais têm sido firmes em negar o pedido de alimentos ou a imposição da curatela a filhos que foram abandonados por seus pais. O entendimento é que a obrigação de amparar os pais na velhice pressupõe que estes tenham cumprido com seus deveres parentais durante a infância e a adolescência dos filhos.

  • TJ-MG - Apelação Cível 0007925-64.2018.8.13.0556: Em um caso recente, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou o pedido de alimentos a um pai que abandonou os filhos. A decisão destacou que "é descabida a fixação de alimentos em benefício do genitor que nunca cumpriu os deveres inerentes ao poder familiar, deixando de prestar aos filhos os cuidados e o afeto de que necessitavam durante o seu desenvolvimento".

  • TJ-RS - Agravo de Instrumento 5296860-81.2023.8.21.7000: O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também já se posicionou no mesmo sentido, afirmando que, "descumprindo o genitor com os deveres inerentes ao poder familiar relativamente à filha, ausente reciprocidade, não encontra amparo o pleito de alimentos a título de solidariedade entre parentes, tendo em vista o abandono material e afetivo do genitor em face à filha".

  • TJ-RS - Agravo de Instrumento 5061067-70.2020.8.21.7000: Em outra decisão, o TJ-RS negou alimentos provisórios a um pai, considerando a "notícia, não impugnada expressamente pelo pai, de que nunca existiu afeto e jamais houve solidariedade familiar".

3. A Questão da Indignidade

Embora o abandono parental não esteja expressamente listado no rol do art. 1.814 do Código Civil como causa de indignidade para fins sucessórios, a jurisprudência tem aplicado o conceito de forma análoga para afastar o dever de prestar alimentos. A lógica é que, se o abandono pode levar à perda do poder familiar, também pode afastar a obrigação alimentar, que se baseia na solidariedade e na reciprocidade.

Diante do exposto, é possível concluir que:

  • Pensão Alimentícia: O pai que abandonou os filhos, não prestando assistência material ou moral, não tem direito a receber pensão alimentícia dos filhos. A ausência de reciprocidade e a quebra do princípio da solidariedade familiar são fundamentos sólidos para a improcedência do pedido.

  • Curatela: Da mesma forma, os filhos não são obrigados a exercer a curatela do pai que os abandonou. A curatela é um múnus público que pressupõe um vínculo de confiança e cuidado, que foi rompido pelo abandono.

Caso os filhos sejam acionados judicialmente para prestar alimentos ou exercer a curatela, a defesa deverá se pautar na comprovação do abandono material e afetivo, utilizando-se de todos os meios de prova admitidos em direito, como depoimentos de testemunhas, documentos e, se for o caso, laudos psicossociais.

É importante ressaltar que cada caso deve ser analisado individualmente, mas a tendência da jurisprudência é proteger os filhos que foram vítimas de abandono, não lhes impondo o ônus de cuidar de quem nunca lhes prestou a devida assistência.